Cícero Acaiaba

Cícero Braz Acaiaba Vieira nasceu na cidade de Cambuquira em 09 de fevereiro de 1925. Filho do farmacêutico e vereador Benevenuto Braz Vieira e de Dona Odila Acaiaba Vieira, veio residir em Varginha em 1936, tornando-se cidadão honorário Varginhense em 28 de maio de 1985.

Membro fundador da Academia Varginhense de Letras, Artes e Ciências, ocupante da cadeira nº 07 e Presidente de Honra Vitalício, Cícero Acaiaba, além de poeta, foi radialista, escritor e advogado. Escreveu 34 livros (quatorze publicados) e 139 radionovelas. Por muitos anos publicou textos de sua autoria no Jornal Sul de Minas. Foi também redator do Suplemento Literário da Imprensa Oficial em Belo Horizonte. “Diário Lírico”, de poesias, pode ser considerado uma de suas maiores obras. Escreveu livros de ficção, poesias, memórias e prosa. Entre os livros publicados está a sua biografia: “Meu Pé Direito” de 2003. Trabalhou na famosa Rádio Nacional, no Rio de Janeiro, por dezoito anos, entre as décadas de 1950 e 1970, “os anos de ouro do rádio”. Considerado um dos mestres do soneto em língua portuguesa, faleceu de parada cardiorrespiratória em 20 de abril de 2009, no Hospital Humanitas e foi sepultado no Cemitério Municipal de Varginha, no túmulo da família Acaiaba.

Sua obra merece destaque e foi reconhecida e aplaudida por grandes talentos como Carlos Drummond de Andrade, Lygia Fagundes Telles, Rubem Fonseca e outros. Entretanto, sua produção permanece ainda hoje pouco estudada no meio acadêmico. “O eterno poeta”, como gostava de ser chamado, publicou seu primeiro livro “Versos de Ontem e de Hoje”, em 1954, no Rio de Janeiro pela editora A Noite. Foi premiado em diversos concursos, inclusive internacionalmente, com destaque para o 1º Lugar em Poesia Lírica no Concurso Luso-Brasileiro de Literatura, em 1967, em Portugal, 1º Lugar no Concurso de Contos da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, em Belo Horizonte, em 1974 e o Concurso Internacional de Literatura em Portugal, em 1986, com o poema “Elegia”.

Cícero conta em uma entrevista publicada no Suplemento Literário Minas Gerais, em 1969, que escreveu seu primeiro poema aos oito anos de idade:

O primeiro poema que fiz, sem mesmo saber o que era poesia, foi com oito anos de idade. Não minto. Estou falando a pura realidade. Esse poema era uma espécie de balada sobre a noite de São João. Meu pai levou o tal poema para Jorge de Lima, em Cambuquira, minha terra natal, onde o poeta nordestino fazia suas estações de veraneio, todos os anos, hospedando-se no Hotel Silva. Jorge de Lima publicou esse poemeto no suplemento de “O Jornal” do Rio de Janeiro, em 1932.

Já com vinte anos escreveu o soneto “Ao Expedicionário”, publicado no Jornal matutino varginhense Correio do Sul em seu primeiro ano de circulação (1945). Cícero Acaiaba publicou quatorze livros, entre eles: Versos de Ontem e de Hoje (Editora A Noite, 1954); Poemas Escritos na Névoa (Imprensa Oficial de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1982); Sonetos de Circunstância I (Ed. Scortecci/SP, 1986); A Última Elegia e 30 Noturnos de Minas (Ed. Scortecci/SP, 1987); Sonetos de Circunstância II (Ed. Scortecci/SP, 1988); Fronteira do Reino e 41 Exercícios de Soneto (Ed. Scortecci/SP, 1988); Um Homem com a Faca no Peito (Imprensa Oficial de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1988); Poemas Escritos na Névoa (2ª edição aumentada – Imprensa Oficial de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1988); Sonetos de Circunstância III (Ed. Scortecci/SP, 1988); Diário Lírico (Ed. Edicon/SP, 1992); Calendário de Sonetos 1,2,3 e 4 (Imprensa Oficial de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1994); Agenda de Sonetos (Edições Alba/MG, em 1996) e Meu Pé Direito (Ed. Alba/Varginha, 2003). Escreveu mais de vinte livros não publicados e participou de antologias poéticas como “Trovadores do Brasil” (Rio de Janeiro, 1966) e “Poetas do Brasil” (Rio de Janeiro, 1975). Sua obra foi estudada na dissertação de mestrado do autor Aníbal Albuquerque, membro da Academia Varginhense de Letras, Artes e Ciências, ocupante da cadeira 13, que publicou o livro “Um Passeio Pela Obra de Cícero Acaiaba, Talento Esquecido” (Edições Alba, em 2001).

É comum observar nos textos de Cícero Acaiaba temas recorrentes como a infância, o erotismo, a solidão e a morte. Seus contos e poemas, quase todos líricos, abordam por diversas vezes temas e situações vividas pelo autor, muitas vezes nada felizes como, por exemplo, o poema “Poliomielite”, do livro Diário Lírico, de 1992, no qual o autor retrata uma infância sofrida, marcada pela doença:

Eu não podia correr
subir nas árvores
nadar no ribeirão
fazer peraltices
só brincava
comigo mesmo
sentado no chão

A infância foi particularmente uma fase difícil para o autor. Em seu romance autobiográfico “Meu Pé Direito”, o título faz referência direta à sequela deixada pela poliomielite, que adquiriu aos três meses de idade e o afetou, principalmente, na perna direita.

Cícero estudou os primeiros anos em Cambuquira, vindo para Varginha residir com o avô materno e estudar o ginásio no Colégio Marista. Cursou o ensino médio em Alfenas e posteriormente se mudou para o Rio de Janeiro para cursar direito na Faculdade Fluminense. No Rio de Janeiro dividiu um porão com outros três amigos, o que lhe rendeu muitas histórias e marcou uma nova fase de sua vida na qual estavam presentes a bebida e a farra constante, culminando em problemas de saúde severos que o levaram à internação em sanatórios. Em uma das internações, em São José dos Campos, conheceu sua primeira esposa: Alayde.

Já adulto, durante o período em que trabalhou na Rádio Nacional, Cícero Acaiaba foi autor, ator e produtor. Como radioator, participou de uma das novelas mais ouvidas da época: “O Direito de Nascer”. Ganhou papéis de destaque em novelas de outros autores famosos, entre eles: Mário Lago, Dias Gomes e Janete Clair. Em 1952, acompanhado por Mário Lago, foi até a empresa Sydney Ross, grande patrocinadora da Rádio Nacional, assim como a Esso, que patrocinava o famoso Repórter Esso. Durante a visita lhe foi encomendada a adaptação de uma novela cubana: “Amanhã Recordaremos”. Passou, então, a acumular a função de novelista, chegando a escrever duas novelas ao mesmo tempo. Para não se confundir com as duas tramas ele usava uma estratégia: uma máquina de escrever para cada texto.

Cícero Acaiaba e Janete Clair, sempre foram campeões de audiência no IBOPE. Algumas conhecidas novelas de Cícero Acaiaba foram: “Silêncio no Coração”, “Alguém me Ama em Silêncio”, “Uma Esperança Pelo Amor de Deus”, “Uma Nuvem Cobre o Sol”, “Milagroso Amor”, “O Mistério da Esperança”, “O Grande Amor de Minha Vida”, “Adeus para Sempre”, “Rodrigo” e “A Culpa de uma Paixão”, sendo esta última a de maior sucesso, segundo o próprio autor. As radionovelas saíram do ar nos anos 1970, com a decadência da Rádio Nacional. Durante a ditadura a rádio foi fechada e alguns artistas acabaram presos, um deles foi Mário Lago. Cícero era amigo de Graciliano Ramos e Jorge Amado, ligado ao Partido Comunista, o que acabou lhe custando caro, pois durante o movimento de 64 estava no ar a novela de sua autoria “Primavera Sem Flores” e ele foi punido. Respondeu a três inquéritos militares e teve seu pagamento suspenso. A novela permaneceu no ar, porém o nome do autor foi omitido.

A morte também era um tema constante em sua obra. Na produção “A Última Elegia e 30 Noturnos de Minas” (1987), com muita sensibilidade, o autor trata o tema da morte em versos repletos de musicalidade:

A Última Elegia
1
Eu não estarei aqui amanhã.
Haverá mais um ausente nesta mesa,
e na parede um retrato instantâneo.
No quarto, os móveis nos mesmos lugares,
as janelas com as cortinas lisas,
e uma cama para sempre arrumada
na esperança do hóspede.
Mas eu não estarei aqui amanhã,
nem depois nem nunca.
Talvez na casa ressoem meus passos
um certo tempo,
talvez se escute altas horas da noite
a respiração pausada,
as páginas velhas de um livro
ou o embaçado monólogo de insônia
que o relógio da sala acompanha.
Tudo irá desaparecer aos poucos,
o hábito voltará a tecer a rotina,
e aqui será de novo uma casa pacificada…

Cícero Acaiaba passou os últimos anos de sua vida em Varginha, residindo na casa em que morou com seus pais na Rua Presidente Antônio Carlos, ao lado da Farmácia Emílio, que pertenceu ao Sr. Benevenuto, pai de Cícero, sob o nome de Farmácia Braz, que foi passada a seu irmão Fabiano e posteriormente ao Sr. José Emílio. A Farmácia era ponto de encontro de Cícero e amigos, que por ali passavam para conversar sobre política, futebol e assuntos do cotidiano. Inclusive o comerciante, dono da farmácia, mantinha lá um banquinho de madeira destinado ao poeta, que gostava de observar dali o movimento.

Finalmente, afirmo aqui que Cícero Acaiaba não foi apenas um dos maiores sonetistas do Brasil. Sua obra engrandeceu o nome de Cambuquira, terra onde nasceu e de Varginha, onde viveu a maior parte de seus 85 anos de vida. Em sua homenagem, foi inaugurada, em 2001, na Caixa Econômica Federal de Varginha, o “Espaço Cultural Cícero Acaiaba”. Grande parte de sua extensa obra poética é muito rica em forma e conteúdo e, apesar de nunca ter tido o devido destaque na mídia, foi reconhecida por muitos críticos literários e autores como Rubem Fonseca, Lygia Fagundes Telles e Caio Porfirio Carneiro, que eram seus amigos particulares e admiradores, assim como o grande poeta Carlos Drummond de Andrade.

Encerro aqui com o texto do último cartão que Drummond enviou para Cícero Acaiaba antes de falecer, em 1987:

Poeta Cícero Acaiaba,
De todos os livros de poesia que recebi
nos últimos meses, os seus me causaram
profunda impressão.
É poesia da melhor, limpa, comunicativa.
Gosto do que é simples, sem ser simplório.
E posso afirmar com sinceridade mineira:
sua poesia é a continuação da minha.

Abraço fraterno do
Carlos Drummond de Andrade
Rio, julho de 1987

 


O texto acima fez parte do discurso da produtora cultural Ana Luiza P. Romanielo na posse na cadeira nº 7 da Academia Varginhense de Letras, Artes e Ciências, em sucessão ao saudoso acadêmico Cícero Acaiaba. A solenidade aconteceu na Câmara Municipal de Varginha na noite de sexta-feira, dia 15 de março de 2019.


Cícero Acaiaba foi homenageado pela Prefeitura de Varginha e pela Fundação Cultural dando nome ao espaço literário da Biblioteca Pública Municipal Deputado Domingos de Figueiredo, que contém uma seção dedicada especialmente aos autores varginhenses. A inauguração aconteceu na noite de terça-feira, dia 11 de fevereiro de 2020.